BARRANCOS - PORQUE SOMOS UM POVO SOLIDÁRIO?
Há tempos, alguém me pôs estas questões que continuo a considerar pertinentes e actuais para o conhecimento da realidade barranquenha ao longo dos tempos:
Existirão razões históricas e sociológicas que possam justificar o comportamento inigualável das gentes de Barrancos, no que toca à solidariedade para com os outros, como explicar este fenómeno cultural e social?
Afinal o que tem o povo Barrancos que o distingue dos outros?
- Tentando responder ás questões colocadas, penso que a própria História pode elucidar-nos em relação aos comportamentos da comunidade a que pertenço (no que respeita aos acontecimentos que ao longo dos séculos marcaram o seu percurso e a sua vivência enquanto terra de fronteira), e da qual me sinto profundamente orgulhoso.
Convém entender a sua situação geográfica no contexto penínsular - uma cunha metida em Espanha - e retroceder aos primórdios da sua fundação (estudos vários apontam a transição do séculos XII/XIII), para compreender que, a na altura aldeia dos Barrancos do termo da Vila e Castelo de Noudar, é povoada por gentes portuguesas e espanholas de várias origens, e que estas e a sua própria constituição enquanto núcleo populacional dão lugar a um sentimento de partilha e de acolhimento que perdurará na sociedade barranquenha.
Nas Inquirições determinadas por D.João II para saber a população do Reino, a grande maioria dos inquiridos, mesmo sendo castelhanos de origem pronunciam-se a favor de Portugal, afirmando mesmo ser portugueses.
Talvez a magia, a hospitalidade, o acolhimento franco e sem reservas a quem chegava de fora, forjados no decurso dos tempos, permitam explicar o que se passou em 1812, quando proprietários e gente de bem da Andaluzia (principalmente das povoações e termos de Almendro e Villanueva de los Castillejos), fogem das invasões francesas e escolhem Barrancos como local de refúgio e nova Pátria.
Em meados do século XIX, mais concretamente a 20 de Janeiro de 1868, assistimos á chegada do General Juan Prim y Prats (futuro Presidente do Governo Espanhol), que pede asilo político para sí e para o seu exército ao Administrador do Concelho de Barrancos, Manuel Cláudio Pulido quê, através de Auto de Apresentação lhe concede o asilo político pedido, ficando o referido administrador fiel depositário das armas, arreios e cavalos (propriedade do Reino de Espanha), que depois entregará ás tropas da rainha Isabel II, que vinham na perseguição ao general Prim.
Quase um século passado, mais concretamente em 1936, quando da eclosão da Guerra Civil de Espanha, assistimos mais uma vez á deslocação de cidadãos espanhóis para a vila barranquenha. Primeiro são os habitantes da vizinha vila de Encinasola (Andaluzia), que se refugiam nas casa dos moradores da vila de Barrancos, fugindo das notícias alarmistas que davam como certo que a coluna mineira de Rio Tinto ia invadir as localidades da Sierra de Aracena e Picos de Aroche.
Logo a seguir mais de um milhar de republicanos fugindo das tropas sob o comando do general Yagué, que Franco tinha enviado do norte de África (Ceuta e Melilla) para acabar com as bolsas de resistência republicanas, dirigiram-se para Barrancos. Sob a direcção de uma figura ímpar, o tenente da Guarda Fiscal, António Augusto de Seixas,que comandava as forças que vigiavam a fronteira de Ficalho até Mourão, foram acolhidos em dois Campos de Acolhimento (alguns chamaram-lhes imprópriamente Campos de Concentração) na Herdade da Coitadinha e nas Russianas. Aqui toda a População de Barrancos foi inexcedível no apoio aos refugiados, contribuindo com víveres, roupas e toda a sua solidariedade activa para salvar todos aqueles que precisavam. Claro que esses mesmos refugiados nunca mais esqueceram Barrancos!
Fica a pergunta: porque vieram para Barrancos? - Seria o seu porto de salvação?
O Prof. Leite de Vasconcelos na sua obra Filologia Barranquenha, escrita depois de uma criteriosa recolha do ilustre investigador, onde estuda a própria língua barranquenha, fala sobre os traços da personalidade barranquenha, da sua tradição cultural, da siua autonomia moral muito forte, no fundo explica as razões históricas e sociológicas que determinam a sua vivência, que o diferenciam de outros povos portugueses e também espanhóis no espaço geográfico da fronteira. É evidente que o seu sentido solidário se manifesta em todas as ocasiões em que é posto á prova.
As próprias tradições culturais ligadas á Tauromaquia sofrem muito da influência da Extremadura e da Andaluzia espanholas por via da interculturação vivida ao longo dos tempos. No caso do Pepe Câmara, o toureiro de Barrancos, que o adoptou como filho seu, e de que é exemplificativa a forma como os barranquenhos que nem sequer o conheciam quando da sua grave colhida na praça de Barrancos em 1972, se uniram para o ajudar pagando a operação no Hospital de Beja e a sua convalescença, e apoiando-o como toureiro ao longo da sua carreira.
Afinal, que poder de atracção tem esta terra e esta gente?
Obs. Escrevi estas linhas em 28 de Janeiro de 2015.





